A polêmica em torna da aplicação das penas pecuniárias, também conhecidas como penas de multa, para casos de infrações éticas, pelos Conselhos Regionais e Federais de Odontologia continua em pauta.
Se você é cirurgião dentista e possui uma dívida fiscal, originada de pena pecuniária aplicada pelo Conselho Regional de Odontologia em função de infração ética, será que esta cobrança é legal?
Muitas vezes, essa dívida irá dar origem a uma Execução Fiscal.
Mas será mesmo que essa multa por infração ética é devida?
A seguir, veremos o que diz toda a legislação sobre isso - vamos precisar passar pelo “juridiquês”.
Mas não se preocupe. Ao final, haverá um resumo que explica bem essa pergunta!
O que diz a Lei nº 4.324/64 sobre a aplicação de pena de multa?
Veremos o que diz a Lei que criou o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Odontologia sobre a pena de multa:
Art. 8º A renda do Conselho Federal será constituída de:
20% da totalidade do imposto sindical pago pelos cirurgiões-dentistas;
Um terço das anuidades cobradas pelos Conselhos Regionais;
Um terço da taxa de expedição das carteiras profissionais;
Um terço das multas aplicadas pelos Conselhos Regionais;
doações e legados;
subvenções oficiais;
bens e valores adquiridos.
E, ainda:
Art. 12. A renda dos Conselhos Regionais será constituída de:
taxa de inscrição;
dois terços da taxa de expedição de carteiras profissionais;
dois terços da anuidade paga pelos membros inscritos no Conselho;
dois terços das multas aplicadas;
doações e legados;
subvenções oficiais;
bens e valores adquiridos.
Além disso, esta Lei, em seu art. 18, discrimina que as penas disciplinares aplicáveis pelos Conselhos Regionais aos cirurgiões-dentistas inscritos no Conselhos são as seguintes:
advertência confidencial, em aviso reservado;
censura confidencial, em aviso reservado;
censura pública, em publicação oficial;
suspensão do exercício profissional até 30 dias;
cassação do exercício profissional, "ad referendum" do Conselho Federal.
§ 1º Salvo os casos de gravidade manifesta que exijam aplicação imediata da penalidade mais grave, a imposição das penas obedecerá à gradação deste artigo.
(...)
Portanto, da redação do art. 18, vê-se que a pena de multa não está elencada como uma forma de pena disciplinar aplicável ao cirurgião dentista!
Assim, apesar de haver a previsão nos arts. 8º e 12, para que as penas de multas constituam a renda dos Conselhos, o rol das penas disciplinares é taxativo - não havendo previsão legal para aplicação de multa pelos Conselhos de Odontologia em razão de infração disciplinar.
Alguns eventos como atraso no pagamento de mensalidades e ausência de voto em eleições do Conselho, por exemplo, são fatos que podem gerar a ocorrência e cobrança de multas pelos Conselhos Regionais de Odontologia.
Seguindo esta lógica, multas originadas de outros eventos que não infrações éticas, seriam cobranças legais. Porém, para violações da ética não existe esta previsão legal.
Partindo desse entendimento, cobranças de multas em decorrência de infração ética poderiam configurar enriquecimento ilícito desta Autarquia que é o Conselho Federal de Odontologia.
O que diz o Código de Ética Odontológico sobre a aplicação da pena de multa?
Já o Código de Ética Odontológico (CEO), em seu capítulo XVIII – Das Penas e suas Aplicações, art. 51, faz remissão a Lei explicada anteriormente, pois determina que a violação aos preceitos do Código sujeita o cirurgião dentista as penas previstas no art. 18 da Lei de 1964 - citada acima, entre as quais não está a possibilidade de aplicação de multa, conforme explicado anteriormente.
Mais adiante, em seu art. 57, o Código de Ética traz a possibilidade da aplicação de pena pecuniária, também chamada de pena de multa, ao cirurgião dentista.
Este artigo determina que, além das penas disciplinares já previstas:
advertência confidencial, em aviso reservado;
censura confidencial, em aviso reservado;
censura pública, em publicação oficial;
suspensão do exercício profissional até 30 (trinta) dias; e,
cassação do exercício profissional ad referendum do Conselho Federal,
Também poderá ser aplicada pena pecuniária a ser fixada pelo Conselho Regional, podendo ser arbitrada entre 1 (uma) e 25 (vinte e cinco) vezes o valor da anuidade.
Resumindo, o Código de Ética Odontológico faz referência as penas disciplinares já descritas na Lei que criou os Conselhos - entre as quais não estão as penas de multa para infração ética, e acaba adicionando a hipótese de pena de multa como sanção disciplinar a ser fixada pelos Conselhos Regionais de Odontologia.
Para completar as novidades trazidas pelo Código de Ética Odontológico, ele determinada, ainda, que o aumento da pena disciplinar deve ser proporcional a gravidade da infração cometida pelo cirurgião dentista.
Além do mais, em caso de reincidência, a pena de multa poderá ser aplicada em dobro do cirurgião dentista.
O que diz o Código de Processo Ético Odontológico sobre a aplicação da pena de multa?
Já este outro código, o Código de Processo Ético Odontológico, descreve, em seu art. 34, que as penas disciplinares aplicáveis são as previstas no Código de Ética Odontológico.
Portanto, já que faz remissão ao Código de Ética Odontológico, entre as penalidades aplicáveis por este Código de Processo estaria a possibilidade de aplicação da pena de multa, a qual seria determinada conforme entendimento do Conselho Regional de Odontologia e gravidade da infração cometida pelo cirurgião dentista.
O que diz a Lei nº 12.514/2011 sobre a aplicação de pena de multa?
A Lei nº 12.514/2011, por sua vez, trata sobre as contribuições devidas aos Conselhos Profissionais em geral.
Por óbvio, que se inclui as contribuições devidas pelos cirurgiões dentistas aos Conselhos de Odontologia.
Esta lei dispõe, em seu art. 4º, que os Conselhos cobrarão:
Multas por violação da ética, conforme disposto na legislação;
Anuidades; e
outras obrigações definidas em lei especial.
Portanto, é visível a possibilidade de aplicação de multa por infração disciplinar nas hipóteses de cobranças dos Conselhos.
Mas será que isso se aplica a todos os Conselhos Profissionais, incluindo o Conselho de Odontologia?
Veremos adiante!
Sobre este artigo, importante acrescentar que, o inadimplemento ou o atraso no pagamento das anuidades previstas no inciso II do caput deste artigo, não enseja a suspensão do registro ou o impedimento de exercício da profissão de cirurgião dentista.
Mas, fique atento!
Esse mesmo fato não obsta ou limita a realização de medidas administrativas de cobrança, como a notificação extrajudicial, a inclusão em cadastros de inadimplentes e o protesto de certidões de dívida ativa em nome do cirurgião dentista.
Ainda, importante esclarecer que os valores cobrados pelos Conselhos, à título de pena de multa e/ou anuidades, continuaram sofrendo atualizações, anualmente, de acordo com o índice INPC, IBGE ou qualquer outro que venha a substituí-lo.
O que diz a Lei nº 14.195/2021 sobre a aplicação de pena de multa?
A Lei nº 14.195/2021 dispõe sobre os mais diversos assuntos, dentre eles, sobre as cobranças realizadas pelos Conselhos Profissionais.
Esta Lei, dá nova redação a Lei anterior, de 2011, a qual determina, em seu art. 8º:
“Art. 8º Os Conselhos não executarão judicialmente dívidas, de quaisquer das origens previstas no art. 4º desta Lei, com valor total inferior a 5 (cinco) vezes o constante do inciso I do caput do art. 6º desta Lei, observado o disposto no seu § 1º.”.
Considerando o art. 8 é preciso mencionar que o art. 6º, inciso I e §1º da Lei 12.514/2011 prevê:
Art. 6º As anuidades cobradas pelo conselho serão no valor de:
I - para profissionais de nível superior: até R$ 500,00 (quinhentos reais);
(...)
§ 1º Os valores das anuidades serão reajustados de acordo com a variação integral do Índice Nacional de Preços ao Consumidor - INPC, calculado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, ou pelo índice oficial que venha a substituí-lo.
Logo, a partir de 2021, com o início da vigência da nova redação do art. 8º da Lei nº 12.514/2011, as dívidas inferiores ao montante de, em média, R$ 4.348,28 (quatro mil, trezentos e quarenta e oito reais e vinte e oito centavos), que é o resultado do limite máximo de 5 (cinco) vezes o valor fixado pelo artigo 6º, inc. I, atualizado pelo INPC (art. 6º, §1º), não podem ser cobradas pela via judicial.
Por consequência, os executivos fiscais de valor inferior e ajuizados a partir do dia 26/08/2021 devem ser extintos sem resolução de mérito, com o indeferimento da petição inicial, por ofensa direta ao requisito expresso do art. 8º, da lei n. 12.514/2011, com a redação dada pela lei n. 14.195/2021.
Resumindo, esta Lei de 2021 dá nova redação à Lei anterior, de 2021, instituindo normas a cobrança dos Conselhos Profissionais.
Sendo que, se for unicamente considerada, sem observância das outras legislações, vemos que há permissão para cobrança de multas que decorram de infrações éticas cometidas por cirurgiões dentistas.
E, mais, cobranças em que o valor total seja inferior a 05 (cinco) vezes o valor das anuidades cobradas pelos conselhos, somadas as atualizações monetárias, não podem serem cobradas em juízo, simplesmente, porque serão de pronto extintas!
Todavia, isso não impede demais medidas administrativas e registro em cadastro de inadimplentes.
Resumo
Levando em consideração toda a legislação apresentada, podemos verificar que, apesar de haver previsão legal no:
Código de Ética Odontológico;
Código de Processo Ético Odontológico;
Lei nº 12.514/2011 e;
Lei nº 14.195/2021;
Para a aplicação de pena de multa, como forma de sanção disciplinar ao cirurgião dentista, não há previsão legal, pela Lei nº 4.324/64, que institui os Conselhos Federal e os Regionais de Odontologia, para a aplicação de pena de multa em razão de infração ética.
É preciso ressaltar que o Código de Ética Odontológico, assim como o Código de Processo Ético Odontológico, são apenas Resoluções, enquanto que a Lei nº 4.324/64, é legislação específica, motivo pelo qual deve prevalecer a aplicação desta sobre aquelas!
Não é possível que as normas destas Resoluções se sobreponham a Lei específica – que é a lei de 1964, uma vez que estariam afrontando o Princípio da Legalidade.
Em resumo, em caso de condenação, por infração ética, em processo administrativo pelo Conselho Regional de Odontologia, não são devidas multas pecuniárias.
Em que pese outros Conselhos Profissionais preverem a penalidade de multa para infrações éticas em lei específica, este não é o caso do Conselho Federal de Odontologia.
O próprio art. 3º da Lei nº 12.514/11 dispõe que: “As disposições aplicáveis para valores devidos a conselhos profissionais, quando não existir disposição a respeito em lei específica, são as constantes desta Lei.”.
Por conta disso, qualquer constituição de Certidão de Dívida Ativa e Execução de Dívida Ativa, que estejam baseadas na cobrança de multas por violação da ética, podem ser contestadas em juízo!
Como já dito, não existe previsão legal para aplicação de pena de multa pelos Conselhos Regionais de Odontologia por infração disciplinar.
Portanto, apesar da legislação de 2011 fazer referência a cobranças de multas por violação da ética, a sua aplicação está condicionada ao disposto na legislação específica. E na legislação específica não há previsão para cobranças de multas por violação ética.
Sobre anuidades e outras obrigações definidas em lei especial, sobre estas, sim, podem incidir multas, as quais podem ser impugnadas conforme o caso concreto!
Mas, estas não se confundem com o caso de multas aplicadas por infrações éticas, sendo que esta não possui previsão legal.
Assim sendo, a existência de Certidão de Dívida Ativa e/ou Execução Fiscal, não originadas de anuidade ou outras obrigações definidas em lei especial e, sim, de multa pecuniária por violação da ética, não são devidas pelos cirurgiões dentistas inscritos no Conselho Federal de Odontologia e respectivo Conselho Regional de Odontologia.
Por todas essas razões, Certidões de Dívidas Ativas, Execuções Fiscais e processos judiciais fundamentados na cobrança de multas por violação ética, decorrem de ato não previsto na legislação, podendo serem extintas.